sábado, 16 de abril de 2011

Cartas

de amor
de despedida
de notícias
amareladas
perfumadas
amassadas
rasgadas
recuperadas...



Carta é coisa do passado (?). Coisa que não se escreve mais. Quem hoje ainda escreve cartas? Quem hoje recebe cartas? Quem ainda guarda cartas?
Eu guardo.
Tenho uma carta que enviei ao meu pai, quando ele ainda morava conosco. Escrevi e minha madrinha que trabalhava na centro da cidade colocou-a nos Correios, endereçada ao seu trabalho. Uma cartinha curta, com alguns erros gramaticias, mas de letrinha caprichada e escrita a lápis, pois eu ainda não usava caneta na escola, não podia. Uma carta engraçada, onde eu declarava meu amor de filha-fã-de-pai. Ao final eu pedia que ele respondesse se me amava também, com duas lacunas de SIM e NÃO para escolher e preencher com um "x". A resposta obviamente foi sim e ainda vinha com uma declaração de amor para o meu irmão e minha mãe. Na época ainda morávamos todos juntos e a carta foi endereçada à nossa casa. Ele foi embora e a cartinha ficou guardada numa maleta de madeira antiga que nós tínhamos, junto a outras cartas e fotos de familia. Guardei-a comigo.
Que agonia gostosa correr até o carteiro quando chegava anunciando novas correspondências! Que sensação gostosa a de cobrinha correndo dentro da barriga quando chegava uma carta em que o MEU nome era o destinatário!
Tenho cartas de amigos de infância, de primos que moravam longe, de namoradinhos da escola, de amigas já da fase adulta - na época ainda não usávamos tanto o computador, não utilizávamos e-mails -, de alunos meus quando eu cursava o 2º grau pedagógico (há muitos anos!) e estagiava num colégio perto de casa que já não existe mais.
Já pensei em jogar tudo fora, pois seriam apenas pedaços velhos e amarelados de papel ocupando lugar no armário. Mas não são... Cada vez que releio uma dessas cartas, me remeto a um passado cheio de encantos e meu coração se enche de um saudosismo incomensurável.
Eu também já escrevi muitas, infinitas cartas. Era uma das minhas atividades prediletas. O cuidado com a letra, a escolha do papel de carta, diversos rascunhos antes da carta definitiva. Cartas com perfume, em papel decorado, papel de seda, folha de caderno, com marca de lágrimas... Sim, eu era (era?) dramática! Fazia questão de mostrar toda minha mágoa numa carta cheia de borrões dos meus choros intermináveis na madrugada. Adolescência... que fase intensa. Mas este já é um assunto para outro post!







Abaixo uma das cartas mais comoventes da literatura brasileira, escrita por Macahado de Assis ao amigo Joaquim Nabuco que lhe enviara uma correspondência de condolências pela morte de sua esposa:

Rio de Janeiro, 20 de novembro de 1904

Meu caro Nabuco,
Tão longe, e em outro meio, chegou-lhe a notícia da minha grande desgraça, e você expressou a sua simpatia por um telegrama. A única palavra com que lhe agradeci é a mesma que ora lhe mando, não sabendo outra que possa dizer tudo o que sinto e me acabrunha. Foi-se a melhor parte da minha vida e aqui estou só no mundo. Note que a solidão não me é enfadonha, antes me é grata, porque é um modo de viver com ela, ouvi-la, assistir aos mil cuidados que essa companheira de 35 anos de casados tinha comigo; mas não há imaginação que não acorde, e a vigília aumenta a falta da pessoa amada. Éramos velhos, e eu contava morrer antes dela, o que seria um grande favor; primeiro, porque não acharia a ninguém que melhor me ajudasse a morrer; segundo, porque ela deixa alguns parentes que a consolariam das saudades, e eu não tenho nenhum. Os meus são os amigos, e verdadeiramente são os melhores; mas a vida os dispersa, no espaço, nas preocupações do espírito e na própria carreira que a cada um cabe. Aqui me fico, por ora na mesma casa, no mesmo aposento, com os mesmos adornos seus. Tudo me lembra a minha meiga Carolina.
Como estou à beira do eterno aposento, não gastarei muito tempo em recordá-la.
Irei vê-la, ela me esperará.
Não posso, caro amigo, responder agora à sua carta de 8 de outubro; recebi-a dias depois do falecimento de minha mulher, e você compreende que apenas posso falar deste fundo golpe.
Até outra e breve; então lhe direi o que convém ao assunto daquela carta que, pelo afeto e sinceridade, chegou à hora dos melhores remédios. Aceite este abraço do triste amigo velho

Machado de Assis



5 comentários:

  1. Oi Kelly,
    Parabéns pelo texto. Muito bom mesmo.
    Eu, particularmente, também preferia a época das cartas - sem saudosismo. Mas que era bom era. E você conseguiu descrever muito bem a sensação ao receber uma.
    Em tempo, se não me engano, Machado de Assis e sua esposa moraram do lado do que hoje é o prédio da FIRJAN. Depois vamos conferir...
    Beijos

    ResponderExcluir
  2. Até hoje tenho papéis de carta. Fazia coleção. Cada um mais lindo que o outro! Tb gostava muito de escrever, principalmente as cartinhas de amor! ;-)
    Beijos

    ResponderExcluir
  3. Agora são os torpedos! Ou vai dizer que não continua a ansiedade quando vc vê uma "cartinha" no seu celular?


    Bjs

    ResponderExcluir
  4. Chamei seu pai pra ler sobre a carta que você enviou para ele quando criança. Eu particularmente adoro lembranças, ele ficou tão emocionado quanto eu. Parabéns!

    ResponderExcluir
  5. Kelli, sou suspeita pra falar de carats: já escrevi tantas...umas que mandei, outras que amarelaram na gaveta. Tenho saudades...às vezes ainda tenho vontade de escrevê-las, mas...quem tem mais tempo pra ler? Quem conservou a poesia? Obrigada pela presença no Roxo!
    Te seguindo...
    Beijos,

    ResponderExcluir